Auditoria Interna Ágil na Administração Pública – inviabilidade ou oportunidade?

Por força de norma, a atividade de auditoria interna governamental é obrigatória em todas as entidades da Administração Pública Federal indireta. A atividade, supervisionada pela Controladoria-Geral da União (CGU), foi agraciada em 2017 com um Referencial Técnico que buscou alinhamento com as Normas Internacionais para a Prática Profissional de Auditoria Interna (IPPF), afirmando que o propósito da atividade deve ser aumentar e proteger o valor organizacional das instituições públicas.

 

As novidades propostas pelo Referencial buscaram trazer para o dia a dia das auditorias internas a necessidade do planejamento baseado em riscos, da identificação junto à Alta Administração e das partes interessadas das expectativas em relação ao trabalho da auditoria interna e do reporte periódico sobre o desempenho das suas atividades. 

 

Muito disso ainda não foi plenamente implementado pelas auditorias internas governamentais, que sofrem com redução de quadros, incorporação de atividades que não são de avaliação ou consultoria e dificuldades de recursos técnicos e financeiros. Em alguns casos, o responsável pela unidade de auditoria não tem sequer acesso direto à Alta Administração e é chamado apenas quando se trata de resolver imbróglios com os órgãos de controle.

 

Embora em um primeiro momento essas dificuldades possam parecer intransponíveis, a implementação da metodologia ágil pode auxiliar as auditorias internas governamentais a ocupar um papel de relevância dentro da gestão da entidade.

 

A decisão de implementar a Auditoria Interna Ágil (AI Ágil) passa pelo conhecimento dos benefícios que ela pode proporcionar em comparação com a tradicional auditoria em cascata.  Utilizada há décadas, a abordagem tradicional segue uma sequência linear, que se inicia com o planejamento, passando pelo trabalho de campo e revisão, até a entrega do relatório final. O auditado costuma participar de etapas específicas, na fase inicial e final, e é possível que durante um bom tempo equipe de auditoria e auditado permaneçam distantes até a apresentação dos achados e recomendações. 

 

Algumas desvantagens dessa abordagem são a possibilidade de gargalos, devido a dificuldades de acesso às informações e áreas específicas; as discordâncias entre equipe e cliente de auditoria, devido à comunicação ineficaz e apresentação dos achados apenas ao final dos trabalhos; e a dificuldade de visibilidade do progresso quando as fases ainda estão em andamento.

 

Como conceito, a AI Ágil é aquela que utiliza valores, princípios, frameworks, métodos e práticas de desenvolvimento ágil de software na condução dos trabalhos de auditoria interna. Não se trata somente de realizar trabalhos com mais agilidade – o que também é louvável – mas de proporcionar às auditorias internas uma atuação diferenciada em um cenário de mudanças de riscos de forma mais frequente, com a necessidade de comunicar de forma mais tempestiva os resultados e minimizar a obsolescência de recomendações feitas após um longo período de realização das atividades de campo, mantendo a conformidade com as normas do IPPF.

 

Tanto o Referencial da CGU como as Normas do IPPF reforçam a importância da identificação das expectativas dos gestores sobre o trabalho da auditoria interna. Uma AI Ágil valoriza fortemente a colaboração estreita com as partes interessadas ao longo de todo o projeto. O foco central do trabalho passa a ser o valor que a auditoria interna trará para o processo/atividade avaliada, e, para isso, alinhar essas expectativas na fase de planejamento é fundamental. 

 

Outro requisito previsto nas normas, o planejamento baseado em riscos, também passa por transformação na adoção da metodologia ágil. Considerando a incipiência da gestão de riscos na Administração Pública, muitas vezes a equipe de auditoria tem dificuldades em utilizar o julgamento profissional para avaliar os possíveis riscos do processo/atividade sob avaliação. A AI Ágil permite um planejamento iterativo, que facilita o redirecionamento das atividades nos casos em que riscos não avaliados previamente tenham sido identificados como relevantes em outras fases da auditoria.

 

Por fim, a adoção da AI Ágil confere maior efetividade ao requisito de reporte periódico do desempenho da auditoria previsto no Referencial. Saindo da perspectiva de manter certa distância, para garantir a independência e objetividade do auditor, a metodologia ágil valoriza o processo colaborativo, onde os achados/pontos de auditoria são debatidos durante a execução do trabalho, facilitando a concordância dos auditados, a melhoria da tempestividade de resposta ao riscos e também a forma como a auditoria interna é vista pelos gestores da entidade.

 

É possível que você esteja se perguntando….mas como as auditorias internas governamentais, com as dificuldades já citadas, podem assumir mais um desafio, que é o de implementar a metodologia ágil? 

 

A resposta é que a implantação da AI Ágil pode ser adaptada a diferentes tamanhos de equipes. Auditorias internas de entidades de menor porte e com menos níveis hierárquicos têm como vantagens competitivas a facilidade de acessar os gestores e mudar procedimentos internos de trabalho, promovendo assim um novo olhar das demais áreas sobre o trabalho da auditoria interna.  Entidades de maior porte podem se beneficiar da facilidade de recursos para promoverem capacitações internas e externas para familiarizarem a organização com a metodologia. 

 

A pandemia veio nos mostrar que riscos emergentes não são tão inusitados e se a auditoria interna governamental quiser cumprir com o propósito de agregar valor à gestão ela precisa descartar a lógica do “sempre fizemos assim”.  
A implementação da AI Ágil pode ser uma boa forma de mudar a percepção dos gestores públicos sobre as auditorias internas, tornando-as mais ágeis, eficientes e responsivas às mudanças que ocorrem nas entidades, seja por fatores externos ou internos.

 

 

Autoria:

Patricia Alvares
Auditora Chefe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade- ICMBio
Mestre em Governança e Desenvolvimento (ENAP)