Integridade e compliance: realidade ou ficção na administração pública e privada?

Neste artigo, o Arlindo Rocha disserta sobre os dois termos e sobre como eles influenciam os processos administrativos em todos os setores.

 

“A verdadeira integridade é fazer a coisa certa, sabendo que ninguém vai saber se você fez isso ou não” [Oprah Winfrey].

 

Para início de conversa, não existe sequer a possibilidade de pensarmos que ‘integridade’ e ‘compliance’ possam ser ou vir a ser mera ficção ou futurismo da parte dos gestores públicos e privados. Óbvio que ainda temos um longo caminho a percorrer, porém, é verossímil afirmar com absoluta certeza, que já é uma realidade cada vez mais presente na administração pública e privada, muito em função dos ganhos em termos de cumprimento de normas, transparência, controle e prevenção. 

 

No entanto, ainda é visível que algumas iniciativas estão na fase embrionária de implementação de novos processos. Então, é preciso enfatizar que as empresas públicas e privadas só terão sucesso se os processos implementados tiverem consistência e continuidade. A luta pela integridade e pelo compliance deve ser contínua e não episódica, tendo em conta que, lutar pelo que é correto e justo é uma imperiosa necessidade julgando pelo que estamos vivendo na atualidade.     

 

A popularização desses conceitos no Brasil, emergiu a partir de situações adversas vividas na administração pública e privada que, por anos vinham reproduzindo uma cultura e uma ausência de honestidade, probidade e conformidade que levou  o país a ser manchete em grandes veículos de comunicação nacional e internacional pelos escândalos de corrupção que solaparam a base moral e ética não só das instituições privadas, mas também das públicas, corrompendo a mente de muitos profissionais que procuravam na função pública e privada uma forma de enriquecimento rápido e a qualquer custo.

 

Ainda é comum utilizar os dois conceitos (compliance e integridade) como se fossem sinônimos. Na realidade, um complementa o outro e não se auto excluem. É natural que, a primeira coisa que se faz quando se utiliza conceitos correlatos, é procurar definições mais ou menos consensuais, isto porque é pacífico entre especialistas, que as definições desde que devidamente contextualizadas são imprescindíveis em todos os domínios de conhecimento.

 

Neste caso, a exegese textual já indica que recusar qualquer definição ou tentativa de correlacionar conceitos é recusar inteligibilidade, é dificultar o diálogo, a compreensão e a comunicação. Nesse caso específico, é notório que ambos termos carecem de purificação semântica por causa do uso de uma linguagem, por vezes, inadequada ou simplória. Por isso, é proveitoso seguirmos tentando estabelecer nexos linguísticos entre compliance e integridade como forma de esclarecê-los quanto a gênese e importância tanto na função pública, bem como nas iniciativas privadas.

 

Em sua origem compliance vem do inglês to comply (cumprir), ou seja, estar em conformidade com normas, leis e regulamentos, elementos essenciais à boa governança e uma prioridade estratégica para a maioria das instituições que tentam a todo custo evitar sanções. Por isso, desde 2013, com a publicação da Lei anticorrupção no 12.846 e regulamentado em 2015 pelo Decreto 8.420, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, o termo compliance passou a fazer parte do jargão utilizado na administração pública e privada, e de certa forma, começou a fazer parte do vocabulário dos brasileiros em geral.

 

Já integridade, do latim integritate, pode ser considerada uma virtude que se traduz numa conduta reta, honrosa, ética, educada e briosa. Em seu sentido lato, refere-se às características de algo inteiro, intocado, não maculado ou danificado. Nesse sentido, é um conceito muito mais abrangente, pois, não se limita apenas em estar em conformidade ou seguir normas e leis. Diferentemente de compliance, integridade como veremos, não significa o simples estar em conformidade.

 

Como conceito filosófico pode ser considerado, segundo Luiz Fernando Lucas, autor da obra A era da integridade: Homo Conscious – A próxima evolução, como sendo “a soma de todos os valores absolutos, de todas as virtudes. É a ausência de falhas de caráter, de medo, de pensamentos e emoções negativas. Integridade é perfeição, inteireza, unicidade e completude”, ou seja, é inquestionavelmente uma qualidade suprema, pois, sem ela nenhum sucesso real é possível, uma vez que permeia toda a práxis humana seja no âmbito pessoal ou profissional. 

 

A integridade como valor universal já faz parte do nosso dia a dia, por isso, é comum falar de ‘cultura de integridade’, mas, no atual patamar em que nos encontramos, é oportuno ainda falar em ‘desafio cultural’, pois, romper paradigmas leva tempo. Esse desafio deve fazer com que cada pessoa acredite e aja de acordo com os princípios elencados por Lucas, sendo ela, a bússola moral enraizada no ‘Ser’ do homo conscious (cidadão consciente), não apenas exibido na forma como age ou não quando está sendo observado pelos outros. 

 

Por isso, integridade tornou-se a pedra angular não só nas relações interpessoais, mas também na atual cultura corporativa, pois ultrapassa as fronteiras da mera conformidade, podendo ser considerado um sistema que engloba valores compartilhados que incluem ética, respeito, responsabilidade, justiça, prevenção, transparência e controle. Desta forma, passou a ser vista como uma forma de anuência a um conjunto de valores plenamente justificáveis, onde o critério de justificação é a realidade objetiva, materializada através das relações humanas e laborais que requerem muito mais do que a adesão arbitrária a um conjunto de valores individuais, mas, a adesão a uma categoria de valores aceites e partilhado por todos.

 

Logo, pode-se inferir com razoável segurança que a sociedade encontrou na integridade, o liame entre o ‘pensamento correto’ e a ‘ação correta’, um acordo intrinsicamente ético entre ‘ser correto’ e ‘fazer a coisa certa’, com base em regras (imperativos categóricos), visto que, agir com base nesses princípios, é o certo a se fazer, como diria Immanuel Kant. Portanto, fazer a coisa certa mesmo quando ninguém está vendo ou vai ficar sabendo, é a essência da integridade, assinala Winfrey, ou seja, é a fórmula absolutamente necessária para curar as mazelas de uma sociedade fustigada pela corrupção, mãe de todas as assimetrias sociais assinaladas por Lucas, que infelizmente, ainda assolam nosso país. 

 

No entanto, nem tudo está perdido, aliás é o próprio autor citado que nos alerta que essas assimetrias podem ser minimizadas pelo ‘consciente íntegro’, uma virtude em progresso, pois, o futuro de cada cidadão, segundo ele, está intimamente ligado ao autoconhecimento e a consciência da sua responsabilidade ética, consciente do que deve e do que não deve fazer ou permitir na vida pessoal e no desempenho das suas funções profissionais. Por isso, é um imperativo seguirmos lutando para que haja mais integridade, pois, nisso reside a essência do combate à corrupção. 

 

Nesse sentido, todos os gestores da administração pública e privada que almejam estar em conformidade com as leis/normas, que observam estritamente os princípios e os valores norteadores da integridade e do compliance, maximizam suas possibilidades de serem considerados instituições íntegros, sãos, imaculados e sem desvios, conforme as diretrizes que devem embasar a atuação de gestores e servidores de forma ética, transparente e comprometida. 

 

*Consultor da CGM-Niterói, Arlindo Rocha 

*Artigo publicado no Colab Blog

 

Fonte:

CGM-Niterói