Relatórios que se sustentam

Marcus Vinicius de Azevedo Braga (1) 
Sergio Filgueiras de Paula (2)

 

No belo estado da federação chamado Arniqueiras (Fictício), o Governador Rômulo Roberto, alinhado com as suas propostas apresentadas na campanha eleitoral, investiu no fortalecimento da sua controladoria, admitindo pessoal, qualificando a força de trabalho, estabelecendo normativos operacionais, fortalecendo as macrofunções clássicas, inclusive a de Auditoria Interna Governamental.

 

Decorridos um ano dessas iniciativas, os frutos começaram a brotar, e após o estabelecimento de uma programação anual de auditoria, os trabalhos foram desenvolvidos, baseados em pressupostos de promoção da qualidade das auditorias, gerando bons diagnósticos e relevantes proposições que subsidiaram a gestão de Rômulo Roberto, seja na avaliação regular ou na apuração de situações irregulares, cujos relatórios se encaminharam para outros órgãos, como os tribunais de contas, o Ministério Público e até a imprensa. 

 

Nessa agenda de trabalhos robustos e bem elaborados, ao serem encaminhados para outras instâncias, esses relatórios terminaram por ser submetidos a “testes de stress”. As ações do Ministério Público, os processos de julgamento no âmbito do Tribunal de contas, e ainda, a ação dos repórteres investigativos, viraram do avesso aqueles relatórios, com indagações e escrutínios de especialistas, mas eles permaneceram ali, sólidos, sustentados na boa técnica e nas evidências, sem perder a credibilidade nessas idas e vindas. 

 

A partir dali Rômulo Roberto descobriu as benesses de se ter um órgão de controle interno com credibilidade, o que dá a ele, como dirigente, não só uma posição segura sobre pontos centrais da gestão, mas que também transborda para fora dos muros do seu governo essa credibilidade, pautada por relatórios de auditoria de qualidade. Verdadeiros relatórios que se sustentam.

 

Essa história de abertura, fictícia, cabe bem nas realidades dos entes municipais e estaduais brasileiros, e levanta a questão da importância de se ter um órgão de controle interno com qualificadas funções de auditoria interna, e que produza trabalhos relevantes e que tecnicamente se sustentem diante das diversas situações. Fonte de diagnóstico para dentro, que baliza, e para fora, que tem credibilidade suficiente que não enseje a necessidade de trabalhos adicionais de órgãos externos, que naturalmente oneram a gestão.

 

Mas, como construir um relatório que se sustenta? Que pressupostos devem ser adotados? Sem querer inventar a roda, esses caminhos já foram trilhados por outros, e basicamente pode-se apresentar quatro pontos essenciais para relatórios imbatíveis: i) manualização da atividade de auditoria; ii) estruturação de rotinas de revisão e supervisão dos trabalhos; iii) interlocução e comunicação com o auditado; e iv) estabelecimento de um programa de qualidade da atividade de auditoria.

 

O diferencial de um relatório de qualidade não é determinado pelas habilidades gramaticais do auditor. Mais que isso, ele decorre de um processo de planejamento baseado em riscos, guiado pelo propósito de agregar e proteger valor organizacional, e da execução profissional, ética e estruturada dos procedimentos de auditoria, baseada em evidências e resguardada pelo pressuposto da autonomia técnica.

 

Para que isso seja alcançado, o primeiro ponto a ser destacado é a necessidade do estabelecimento de manuais e procedimentos formais para a prática da atividade de auditoria e que reforcem, interna e externamente, seu propósito, sua independência e os requisitos técnicos necessários à realização de trabalhos de qualidade e de alto valor agregado.

 

Entretanto, a existência de normas operacionais, por si só, não é suficiente para produzir os efeitos esperados. Assim, somente a partir de um processo sistemático e estruturado de revisão e supervisão, será possível fornecer garantia razoável de que os resultados da auditoria são apropriados às circunstâncias e estão devidamente documentados, segundo a máxima de que um auditor experiente, que não tenha participado dos trabalhos, possa chegar às mesmas conclusões.

 

Além disso, é essencial a construção de um processo transparente e recíproco de comunicação e de validação dos achados com a gestão durante a realização dos trabalhos. Isso porque somente a partir do entendimento dos gestores sobre os resultados da auditoria e de seu envolvimento na construção de soluções, é possível gerar credibilidade e obter seu compromisso com a adoção das medidas saneadoras recomendadas no relatório de auditoria. Afinal, a auditoria interna somente agrega efetivo valor quando suas recomendações são implementadas e promovem a melhoria dos processos de gestão.

 

Credibilidade é um valor conquistado com tempo e regularidade, mas pode ser aniquilado em um único deslize. A história recente nos mostra organizações globais de auditoria que simplesmente deixaram de existir após perderam sua credibilidade. Por isso, investir em um programa de qualidade não pode ser visto como uma ação acessória, mas como uma questão de vida ou morte. 

 

Somente mediante o estabelecimento de um programa de qualidade, será possível assegurar que os requisitos éticos e profissionais prescritos pelas normas são cumpridos, que a supervisão dos trabalhos é exercida em nível adequado, que a gestão participa da validação dos achados e da busca de soluções e, portanto, que o relatório de auditoria cumpre seu propósito. 

 

Essas quatro medidas são simples, é verdade, mas ao mesmo tempo fundamentais para promover a maturidade da atividade de auditoria interna, que se reflete na condução de trabalhos pautados pela boa técnica e pela evidenciação e, também, pela empatia de entender os desafios da gestão, se apresentando de forma propositiva e, dessa forma, dando vida à missão da auditoria interna de fornecer avaliação, assessoria e conhecimento objetivo para aumentar e proteger o valor organizacional.

 

Entes federativos têm muito a ganhar pelo estabelecimento de uma estrutura de auditoria interna qualificada e técnica, para além de cumprir os requisitos constitucionais relativos ao estabelecimento de um sistema de controle interno. Têm a ganhar por trazer para dentro de suas gestões a função avaliativa, que não somente produz diagnósticos e proposições, mas que tem o poder indutor de trazer qualidade para as políticas públicas desenvolvidas. Mas, para se ter uma auditoria governamental de qualidade, com relatórios que se sustentam, não há espaço para o improviso. 

 

 

(1)    Auditor Federal de Finanças e Controle. Doutor em Políticas Públicas (UFRJ). Atualmente exerce as funções de Auditor Interno do Hospital Universitário Gaffreé e Guinle/EBSERH/MEC.

 

(2)    Auditor Federal de Finanças e Controle. MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão (FGV). Atualmente ocupa a posição de Coordenador-Geral de Métodos, Capacitação e Qualidade da Secretaria Federal de Controle Interno da CGU.